Flutuava em anéis de espuma. E um sorriso migrava entre a força
das águas e a ardência nos olhos. Aquela repulsa do sal, incomodava a abertura
dos olhos e lhe temperava a pele.
Dourada era a sua sorte. Toda chamuscada de sol e de vento, era
feita da mesma substância com que a natureza trabalhava os leoninos, os
guepardos, os linces. Toda romanceira com aquele mesmo frescor dos peixes e das
enguias. Cadência de ondas perfeitas
ainda na sobriedade da infância como em manhãs de primavera.
Os cachos dos cabelos pairavam na água inquieta. Quão juvenis
brincavam no clarão já ameno do dia que não se quer ir! Que quer junto às
andorinhas, um repouso nos mansos olhos. Uma teimosia!
Ah! Este clarão de céu e mar que se confunde no horizonte... Esta
linha imaginária que se deita preguiçosa para espalhar as virtudes do espaço! Tudo
intocável como sempre fora, não fossem os anúncios da civilização causados
pelas palavras e pelos gritinhos agudos – não há quem interrompa nem mesure!
O tempo, o clarão e o mar tal como quando se banhavam as Musas
que ascendiam do Hélicon para encontrar a leveza das águas condensadas. Tal
como testemunharam os guardiões de um céu antigo, como se rebentassem um cem número
de Netunos, serpenteando dos abismos liquefeitos e indo atirar-se contra os quebra-mares.
Pisem aqui por estas terras as Vestais dos Templos de Anúbis! Que
dancem ao som de hidraulos e tambores! Que agitem os braços com a saudação tempestiva
de algum oráculo! Tragam rente à cintura, depositada em moringas de argila, a
revelação do nome inaudível para desfolhá-lo no silêncio das almas.
Tudo encontra o vitral dos sorrisos da menina. Desde a cândida
formosura de seus olhos apertados pelo salitre até a energia viçosa dos movimentos
de infância, pululantes como bolhas, valseando por entre os anéis das ondas,
deixando-se empurrar e sentindo arrastar as areias que lhe apóiam a miseração
dos pés.
Todo o tempo é luz indivisa. Não há rastro de dúvida, nem o medo
queimou de sordidez insensata os reflexos de um paraíso que somente existe por
se fazer inefável, pois que se perde no instante mesmo de sua natividade.
Nossa pretensão pelo eterno insulta o instante de indelével
candura. Nossa insubmissão ao instante nos remete aos vergalhões de um inferno
exultado por nunca ter sido alcançado. Nossa fuga, nosso desamor nos atira ao
negrume de algo nunca vivido, porque nunca percebido com a particular evocação.
Pois tudo me escapa, tudo me foge como esta areia cantante que
sob os meus pés aceita ser desfigurada. Tudo se inclina a si mesmo, tudo se
retira de si mesmo e retorna a si do mesmo modo com que um dia se permitiu ir.
E estas lágrimas se vão agora como num escape de emoções
desarmadas. Juntas haverão de encontrar o vitral dos sorrisos que alimentam as
flores deslizantes na praia.
Como aquelas conchas que, dissipadas de vida,
deixaram suas pobres marcas na areia. Sim! Haverão de encontrar a areia cantante,
nunca antes assim compreendida.
Porque sempre cantara de oceano em oceano e por séculos não
houve quem a escutasse. Cantou por séculos pelos oceanos, dançara a valsa
enviesada das ondas e sequer alguém havia perseguido o seu rastro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário