Estava
pesquisando a Síndrome de Estocolmo em mulheres vítimas de abuso. O texto do
link abaixo é bastante esclarecedor e alerta para pontos sensíveis de nosso
atavismo cultural.
Só
não concordo com a sugestão de que mulheres poderiam resolver-se com pessoas do
mesmo sexo como forma de driblar sua heterossexualidade. Não creio que a coisa toda seja tão simplista. Necessário a referência e essa passa por uma condição que é marcadamente cultural.
Por
outro lado, como o modus operandi masculino é largamente conhecido, nos
desencoraja da possibilidade de muitos flertes por julgarmos NÃO VALER À PENA.
Quando calculamos honestamente o ônus de manter um relacionamento com um homem
em face de algum benefício partilhado, seja ele qual for, sexual, afetivo,
moral, financeiro etc, é DESENCORAJADOR.
Eu
me separei há mais de dois anos e a experiência foi agradável o suficiente para
manter-me segura no muro da solteirice. Estar sozinha parece-me mais
conciliável em não ter ameaçada a minha esfera de liberdade.
Recomendo
texto por ser uma discussão sempre atualizada. Feminismo, um modo de olhar, de
perceber e de agir. Uma vez feminista, não há modo de conciliar questões tão acintosamente
veladas. Principalmente, porque já estamos cansadas de tanto!
O
texto foi postado pela jovem Isabelle, tomando por base o Loving to Survive:
Sexual Terror, Men's Violence, and Women's Lives - Dee L.R. Graham, conforme
ela mesma cita. O título do blog dela é sugestivo: "Nós somos as mulheres sobre as quais os homens nos alertaram". <rsrsrs>
Seguem o link e alguns excertos retirados de lá:
“compreendemos que as mulheres sofrem
coletivamente da Síndrome de Estocolmo – a
criação de vínculos de um refém com seus captores – como resultado do seu medo
constante de serem assediadas verbalmente, sexualmente e fisicamente, bem como
restringidas economicamente pelos homens.”
”as mulheres se esforçam para agradar os
homens, e dessa reação surge a “feminilidade”: a sua aparente subserviência,
docilidade e auto-sacrifício.”
“A natureza aparentemente difundida desse
fenômeno sugere que a criação de vínculo com o abusador (Síndrome de Estocolmo)
é instintiva e desempenha uma função de
sobrevivência para vítimas de abuso crônico.”
“Quando a vítima define a relação como de
carinho, é fácil para o abusador fazer o mesmo. Obviamente, essas distorções
cognitivas estão a serviço da sobrevivência: elas reduzem o terror, criam a
esperança de escapar por via da conquista do abusador, e facilitam a criação de
um vínculo entre o abusador e a vítima e, portanto, aumentam as chances de
sobrevivência da vítima.”
“As distorções cognitivas proporcionam para
as vítimas uma interpretação acerca de seu próprio comportamento. O conteúdo
das distorções traz um significado para as vítimas sobre seu comportamento, e
as ajuda a acreditar que estão no controle.”
“A vítima com frequência racionaliza o
abuso ao se culpar pelo ocorrido, acreditando que pode controlá-lo e também
quando é abusada. Mas por que ela se culparia por seu abuso? Há pelo menos duas
razões:
(1) A fim de garantir a sobrevivência, a
vítima adota a perspectiva do abusador, e esse acredita ter uma justificativa
para abusá-la;
(2) Se a vítima se culpa pelo ocorrido, ela
então acredita que é capaz de cessar o abuso. Outra conseqüência dessa
distorção é a de que a vítima gasta uma
energia imensa para mudar ou “melhorar-se” a fim de que o abuso termine.”
“A história e realidade das mulheres ao
redor do mundo não deixam dúvidas de que os homens são capazes de matar
mulheres, de usar violência para controlá-las socialmente, e que os homens utilizarão os motivos mais banais
para racionalizar suas violências.”
“Pesquisando em diversas fontes, Russell
(1984) identificou as funções do assédio sexual, que incluem:
·
A manutenção da
prerrogativa masculina tradicional da iniciativa sexual.
·
A expressão da
hostilidade masculina em relação às mulheres.
·
A compensação de
homens pela impotência em suas próprias vidas através de controle sobre uma
mulher.
·
Afirmação do papel
sexual da mulher sobre suas outras funções, e, através disso, a manutenção das
mulheres em posição subordinada.
·
A limitação do
acesso das mulheres a cargos específicos, especialmente aqueles que não são
“tradicionalmente” femininos.
Outra função do assédio é sexualizar a
interação, comunicando às mulheres que somos, principalmente e antes de tudo,
objetos para a satisfação sexual dos homens.”
“No entanto, as
formas de violência mais freqüentes não são conceitualizadas como violentas, ou
mesmo abusivas ou não-usuais pela maioria das mulheres.
Infelizmente, elas são vistas como comportamentos masculinos normais, o que
sugere que as mulheres conviveram por tanto tempo com a violência masculina que
ela se tornou “imperceptível”.”
“Devemos igualmente destacar que todos os
homens se beneficiam das consequências das violências e das ameaças de
violência por outros homens.”
“Note-se que em troca de segurança física
de terceiros e “liberdades”, a mulher deve se submeter sexualmente ao seu
“protetor”, e, muitas vezes, ter e cuidar de seus filhos. O fato é que as mulheres pagam, e pagam
caro, pelas pequenas “gentilezas” que recebem dos homens, inclusive a gentileza de protegê-las da
violência de outros homens. Também se pode argumentar que o comportamento protetor
dos homens em relação às mulheres é, na verdade, a proteção daquilo que
entendem como sua propriedade.”
·
“Deus é retratado
como sendo um homem, onipotente e superior, provendo legitimização “divina” às
relações hierárquicas.
·
Nossa história é
masculina, pois as vidas das mulheres foram apagadas de todas as representações
oficiais, ou então reescritas a partir da perspectiva dos homens.
·
A baixa renda das
mulheres em relação à dos homens pressiona as mulheres a casar ou permanecer
casadas, tendo como objetivo sua sobrevivência econômica.
·
O padrão de uma
mulher atraente é definido como ser pequena e magra (ou seja, fraca), e
vestir-se de forma que não possa se proteger (por exemplo, usar salto alto).”
“Porém, dentre as gentilezas demonstradas,
talvez a mais valorizada pelas mulheres seja o afeto e o amor de um homem. Frye
(1983) oferece uma perspectiva interessante acerca do amor dos homens:
“Dizer que um homem é heterossexual implica
somente que ele mantém relações sexuais [fode] exclusivamente com [ou submete
sexualmente] o sexo oposto, ou seja, mulheres. Tudo ou
quase tudo que é próprio do amor, a maioria dos homens hétero reservam
exclusivamente para outros homens. As
pessoas que eles admiram; respeitam; adoram e veneram; honram; quem eles
imitam, idolatram e com quem criam vínculos mais profundos; a quem estão
dispostos a ensinar e com quem estão dispostos a aprender; aqueles cujo
respeito, admiração, reconhecimento, honra, reverência e amor eles desejam:
estes são, em sua maioria esmagadora, outros homens. Em suas relações com
mulheres, o que é visto como respeito é gentileza, generosidade ou paternalismo;
o que é visto como honra é a colocação da mulher em uma redoma. Das mulheres
eles querem devoção, servitude e sexo. A
cultura heterossexual masculina é homoafetiva; ela cultiva o amor pelos
homens.” (...) De fato, propomos que o ápice da
representação da subordinação da mulher e dominação do homem, e também um dos
momentos nos quais o vínculo da mulher com seus abusadores se torna mais
evidente, ocorre durante o ato sexual heterossexual.”
“Uma mulher exposta às idéias, opiniões,
atitudes, sentimentos e necessidades dos homens (e filhos), ao ponto da
exclusão às das mulheres, é uma mulher
ideologicamente isolada. (...) Note-se que,
uma vez que os homens ameaçam as mulheres com violências porque são mulheres,
isto é, porque possuem corpos femininos, muitas mulheres depreciam seus
próprios corpos e de outras mulheres, algumas delas ao ponto de odiá-los. Isso
acaba por agravar ainda mais o isolamento entre as mulheres.”
“Dworkin (1985) oferece uma observação
pungente: “O feminismo é odiado porque mulheres são odiadas. O anti-feminismo é
uma expressão direta de misoginia; é a defesa política do ódio às mulheres.
Isso se dá porque o feminismo é o movimento de libertação das mulheres.”
“O movimento feminista proporciona às
mulheres um contexto que legitimiza falar das violências em nossas vidas
previamente invisibilizadas – o incesto, estupro, espancamento e assédio que
moldam nossos dias. Revelar a natureza pervasiva dessas violências expõe a
falsidade dos mitos patriarcais de que tais incidentes são isolados.”
“precisamente ao manifestarmos nossa ética
feminista, passamos a ouvir sobre a importância da tolerância. É preciso
compreender que, quando as pessoas começam a falar sobre a importância da
tolerância, altruísmo e auto-sacrifício, isso indica que elas percebem um
conflito inerente de interesses entre os envolvidos. Dessa forma, a fim de
resolver esse conflito, espera-se que aqueles
que não possuem poder institucional sejam altruístas. Nesse sentido, o altruísmo e o auto-sacrifício
são considerados “virtudes femininas”.
“Nós apresentamos todas essas observações a
fim de que as leitoras possam determinar por si próprias se os homens como um
grupo demonstram verdadeiro amor às mulheres. Senhores “gentis” de escravos
podem ter tornado a escravidão relativamente mais suportável para os escravos,
porém isso não fez da instituição da escravidão algo menos hediondo. Também não acreditamos que, sob condições de
dominação masculina, o conceito do “consentimento” feminino em relações
desiguais seja significativo.”
“Quanto mais vozes femininas se erguerem
confirmando as violências dos homens, menos isoladas se sentirão as vítimas, e
mais difícil será a minimização do problema pelo patriarcado. Da mesma forma, à
medida que as mulheres, ao criarem vínculos entre si, receberem umas das outras
o amor, a afirmação e a consideração necessários a qualquer ser humano, elas se
tornarão cada vez menos dependentes das
pequenas “gentilezas” dos homens para que sintam que possuem valor.”
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