Desde sempre foi a minha convicção, mais arraigada e mais
corroborada em mim à medida que o tempo vai passando: que a suprema virtude de
um homem deve ser a sinceridade. O vício mais feio é a mentira, os seus
derivados e disfarces, a hipocrisia e o exagero. Prefiro o cínico ao hipócrita,
não fora aquele já parte deste.
Abrigo a profunda crença de que, se todos disséssemos sempre e
em cada caso a verdade, a verdade nua e crua, a princípio ameaçaria tornar-se
inabitável a terra, mas depressa acabaríamos por nos entender como hoje não nos
entendemos. Se
todos, podendo assomar ao bocal das consciências alheias, víssemos despidas as
almas, as nossas rixas e suspeitas fundir-se-iam todas numa imensa piedade
mútua. Veríamos as negruras do que temos por santo, mas também a alvura daquele
que consideramos um malvado.
E não basta não mentir, como o oitavo mandamento da lei de Deus
nos ordena, mas é preciso dizer a verdade, o que não é a mesma coisa. Pois que o progresso da vida
espiritual consiste em passar dos preceitos negativos aos positivos. O que não
mata, nem fornica, nem furta, nem mente, possui uma honradez puramente negativa
e, por aqui, não vai a caminho de santo. Não basta não matar, é preciso
acrescentar e melhorar as vidas alheias; nem basta não fornicar, mas há que
irradiar pureza de sentimento; nem basta não furtar, pois importa acrescentar e
melhorar o bem-estar, a riqueza pública e a dos outros; nem basta também não
mentir, mas dizer a verdade.
Há que observar agora outra coisa (...) como há
muitas, muitíssimas, mais verdades por dizer do que tempo e ocasiões para
dizê-las, não podemos dedicar-nos
a dizer aquelas que este ou aquele indivíduo quereria que disséssemos, mas
aqueloutras que julgamos mais momentosas ou mais a propósito. Sempre que alguém
nos repreende porque não proclamamos estas ou aquelas verdades, podemos
responder-lhe que, se fizéssemos como ele quer, não poderíamos proclamar outras
verdades que proclamamos. E, não raro, acontece também que aquilo que eles
consideram como verdade, partindo do suposto como a consideramos, não seja
assim.¹ [alteração nossa]
1 – Redação original: ‘partindo do suposto que também como tal a
consideramos, não é assim’.
UNAMUNO, Miguel de. Verdade e vida. Tradução de João da Silva Gama.
Apresentação: Arthur Mourão. Covilhã: Universidade de Beira Interior - Lusofia, 2008, p. 5-6. Grifos nossos. Col. Textos Clássicos de Filosofia. Traduzido da edição de AGUILLAR, Ensayos, Tomo II,
Madrid, 1951.
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