20 de novembro de 2015

"A verdade na vida."



Desde sempre foi a minha convicção, mais arraigada e mais corroborada em mim à medida que o tempo vai passando: que a suprema virtude de um homem deve ser a sinceridade. O vício mais feio é a mentira, os seus derivados e disfarces, a hipocrisia e o exagero. Prefiro o cínico ao hipócrita, não fora aquele já parte deste.


Abrigo a profunda crença de que, se todos disséssemos sempre e em cada caso a verdade, a verdade nua e crua, a princípio ameaçaria tornar-se inabitável a terra, mas depressa acabaríamos por nos entender como hoje não nos entendemos. Se todos, podendo assomar ao bocal das consciências alheias, víssemos despidas as almas, as nossas rixas e suspeitas fundir-se-iam todas numa imensa piedade mútua. Veríamos as negruras do que temos por santo, mas também a alvura daquele que consideramos um malvado.


E não basta não mentir, como o oitavo mandamento da lei de Deus nos ordena, mas é preciso dizer a verdade, o que não é a mesma coisa. Pois que o progresso da vida espiritual consiste em passar dos preceitos negativos aos positivos. O que não mata, nem fornica, nem furta, nem mente, possui uma honradez puramente negativa e, por aqui, não vai a caminho de santo. Não basta não matar, é preciso acrescentar e melhorar as vidas alheias; nem basta não fornicar, mas há que irradiar pureza de sentimento; nem basta não furtar, pois importa acrescentar e melhorar o bem-estar, a riqueza pública e a dos outros; nem basta também não mentir, mas dizer a verdade.


Há que observar agora outra coisa (...) como há muitas, muitíssimas, mais verdades por dizer do que tempo e ocasiões para dizê-las, não podemos dedicar-nos a dizer aquelas que este ou aquele indivíduo quereria que disséssemos, mas aqueloutras que julgamos mais momentosas ou mais a propósito. Sempre que alguém nos repreende porque não proclamamos estas ou aquelas verdades, podemos responder-lhe que, se fizéssemos como ele quer, não poderíamos proclamar outras verdades que proclamamos. E, não raro, acontece também que aquilo que eles consideram como verdade, partindo do suposto como a consideramos, não seja assim.¹ [alteração nossa]



1 – Redação original: ‘partindo do suposto que também como tal a consideramos, não é assim’.

UNAMUNO, Miguel de. Verdade e vida. Tradução de João da Silva Gama. Apresentação: Arthur Mourão. Covilhã: Universidade de Beira Interior - Lusofia, 2008, p. 5-6. Grifos nossos. Col. Textos Clássicos de Filosofia.  Traduzido da edição de AGUILLAR, Ensayos, Tomo II, Madrid, 1951.




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