9 de agosto de 2015

A inefável refeição.







Havia uma bela colmeia, num arboredo distante, cujo operariado zumbia atribulado pela soberba importância de seu sistema. Não eram propriamente conflituosos seus servis construtores. Alguns, porém, já emitiam sinais de sandice e ferino orgulho de seu labor para a manutenção do edifício.


Quis o destino, passasse por ali, uma pequena cancioneira muito altiva e empertigada. Pousa a sabiá, sacode o rabinho e, ao sentir-se muito à vontade, inicia um insistente e solitário gorjeio. Estava assim, despreocupada da rotina ascética dos insetos que possivelmente ignorava, quando fora abordada por um deles.


Questionada pelo modo como pousara no galho e como, sem a menor das cerimônias, destilava um frenesi de exclamativas e frases melódicas, pausadas de quando em quando. Perturbava a forasteira, com esse comportamento, a pitoresca fisiologia daquela parte do arboral.


À avezinha restou compreender que a laboriosa abelha não poderia tratar de outra coisa que não a sustentação de suas próprias atribuições. E não se deu por vencida. Flertou uma ironia reticente e continuou seus solfejos matutinos. Destes passou aos vespertinos, quando chegou de supetão a intrépida miúda, a friccionar novas reivindicações acerca do espaço por ela ocupado.


“Continuas a perturbar o ambiente com esta vocação para a melancolia, nobre Senhora? Nós que somos festivas e incansáveis, estamos ocupadas demais para sermos ouvintes dos teus dissabores.”


“Não creio que meu canto possa arrefecer tuas ditosas ocupações. Pousei por estes galhos, quando poderia pousar em quaisquer outros. Não te suplico a atenção, já por demais fustigada de tantas responsabilidades.”


“Acaso estás zombando de todas nós? Eu seria mais inteligente! Em tua posição, não te convéns falar em demasiado. Somos uma farta maioria que, embora menores individualmente, em conjunto arrastamos grandes fortunas e multidões.”


“Já que és a fortuna de teu próprio destino, equivocas-te em me terdes por ocupação. Não te usurparei de teu trono, nem cingirei o bico em tua tradição. A mim é soberanamente apreciável sondar as altitudes em todos os nortes.”


“Eu poderia facilmente relevar o estigma que de modo tão arrogante me ofereces. Mas não me inclinarei a fazê-lo. Exijo que te retires e que leves contigo o teu canto e o teu argumento.”


“Posso então saber por que com tal energia me repeles?”


“É que o teu canto por demais nos incomoda. Dissipas a atenção de nossos menestréis. Os soldados já simpatizam com esta débil melodia e, em tudo, crias uma atmosfera frouxa e pachorrenta. E estas asas, e esta penugem? Possuem um colorido estranho, do qual, por mais esforço que faça, não posso tolerar.”


“Não é de minha natureza promover um esforço desmedido em causar-te excessivo incômodo. Deixo o espaço que reivindicas, pois aqui fizeste morada cativa, ao passo que eu, ao agitar das asas, não disponho de âncora, nem de mourão, nem de seta ou de grilhão.”


Dizendo isto, a avezinha levanta as asas e ergue o bico. Em pouco tempo está plainando no horizonte, em direção ao curso leitoso de um rio. Vai como havia chegado, de repente e sem nada protestar em favor de si.


Tudo tornara como dantes. Sem melodias dissonantes, nem coloridos estranhos. E durante algum tempo, é possível afirmar, as coisas estavam bem tranquilas. Cada um desempenhava a função requerida e a engrenagem funcionava a contento para os que dela se alimentavam.


Mas foi numa manhã, quando muitas operárias saíam para um vergel infestado de aromas doces e cítricos, que um fato curioso dava indícios de que algo estava por acontecer. Um focinho irrequieto investigava em todas as direções por ali. Corria agitado um corpanzil de pelagem escura e, em questão de segundos, alcançava os galhos das árvores tal um caçador à guiza de acrobata.


A irara sorriu quando se deu conta do precioso banquete que a aguardava. Levantou a cabecinha para procurar em seu entorno, e iniciava mais uma série de saltos na galeria de folhas tendo uma longa cauda por sustentação. Logo, alcança o galho de uma nobre árvore, onde estava assentado um lauto abelheiro.


Encontrara pois, um repasto melífluo, recheado por larvas e ninfas, e não deu uma de rogada. Espatifou com o auxílio das patas o edifício, árvore abaixo, deixando os insetos atordoados em cima. Correu pelo tronco e foi ter ao chão. Após, concluiu a estripulia num tronco podre, deitado próximo à margem de um rio, onde esperavam dois filhotes para a saudosa ração abocanhada graças à habilidade materna.


A moral da história sugerida é: O Tempo é o grande selo de todas as verdades. Há outras, todavia. Encontre a sua.












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