Havia uma bela
colmeia, num arboredo distante, cujo operariado zumbia atribulado pela soberba
importância de seu sistema. Não eram propriamente conflituosos seus servis
construtores. Alguns, porém, já emitiam sinais de sandice e ferino orgulho de
seu labor para a manutenção do edifício.
Quis o destino, passasse
por ali, uma pequena cancioneira muito altiva e empertigada. Pousa a sabiá,
sacode o rabinho e, ao sentir-se muito à vontade, inicia um insistente e
solitário gorjeio. Estava assim, despreocupada da rotina ascética dos insetos
que possivelmente ignorava, quando fora abordada por um deles.
Questionada pelo
modo como pousara no galho e como, sem a menor das cerimônias, destilava um
frenesi de exclamativas e frases melódicas, pausadas de quando em quando. Perturbava
a forasteira, com esse comportamento, a pitoresca fisiologia daquela parte do
arboral.
À avezinha restou compreender
que a laboriosa abelha não poderia tratar de outra coisa que não a sustentação
de suas próprias atribuições. E não se deu por vencida. Flertou uma ironia
reticente e continuou seus solfejos matutinos. Destes passou aos vespertinos,
quando chegou de supetão a intrépida miúda, a friccionar novas reivindicações acerca
do espaço por ela ocupado.
“Continuas a perturbar
o ambiente com esta vocação para a melancolia, nobre Senhora? Nós que somos
festivas e incansáveis, estamos ocupadas demais para sermos ouvintes dos teus
dissabores.”
“Não creio que meu
canto possa arrefecer tuas ditosas ocupações. Pousei por estes galhos, quando
poderia pousar em quaisquer outros. Não te suplico a atenção, já por demais
fustigada de tantas responsabilidades.”
“Acaso estás
zombando de todas nós? Eu seria mais inteligente! Em tua posição, não te convéns
falar em demasiado. Somos uma farta maioria que, embora menores
individualmente, em conjunto arrastamos grandes fortunas e multidões.”
“Já que és a fortuna
de teu próprio destino, equivocas-te em me terdes por ocupação. Não te
usurparei de teu trono, nem cingirei o bico em tua tradição. A mim é soberanamente
apreciável sondar as altitudes em todos os nortes.”
“Eu poderia
facilmente relevar o estigma que de modo tão arrogante me ofereces. Mas não me
inclinarei a fazê-lo. Exijo que te retires e que leves contigo o teu canto e o
teu argumento.”
“Posso então saber
por que com tal energia me repeles?”
“É que o teu canto
por demais nos incomoda. Dissipas a atenção de nossos menestréis. Os soldados
já simpatizam com esta débil melodia e, em tudo, crias uma atmosfera frouxa e
pachorrenta. E estas asas, e esta penugem? Possuem um colorido estranho, do
qual, por mais esforço que faça, não posso tolerar.”
“Não é de minha
natureza promover um esforço desmedido em causar-te excessivo incômodo. Deixo o
espaço que reivindicas, pois aqui fizeste morada cativa, ao passo que eu, ao
agitar das asas, não disponho de âncora, nem de mourão, nem de seta ou de
grilhão.”
Dizendo isto, a
avezinha levanta as asas e ergue o bico. Em pouco tempo está plainando no
horizonte, em direção ao curso leitoso de um rio. Vai como havia chegado, de repente
e sem nada protestar em favor de si.
Tudo tornara como
dantes. Sem melodias dissonantes, nem coloridos estranhos. E durante algum
tempo, é possível afirmar, as coisas estavam bem tranquilas. Cada um
desempenhava a função requerida e a engrenagem funcionava a contento para os
que dela se alimentavam.
Mas foi numa
manhã, quando muitas operárias saíam para um vergel infestado de aromas doces e
cítricos, que um fato curioso dava indícios de que algo estava por acontecer.
Um focinho irrequieto investigava em todas as direções por ali. Corria agitado um
corpanzil de pelagem escura e, em questão de segundos, alcançava os galhos das
árvores tal um caçador à guiza de acrobata.
A irara sorriu
quando se deu conta do precioso banquete que a aguardava. Levantou a cabecinha
para procurar em seu entorno, e iniciava mais uma série de saltos na galeria de
folhas tendo uma longa cauda por sustentação. Logo, alcança o galho de uma
nobre árvore, onde estava assentado um lauto abelheiro.
Encontrara pois, um
repasto melífluo, recheado por larvas e ninfas, e não deu uma de rogada.
Espatifou com o auxílio das patas o edifício, árvore abaixo, deixando os insetos
atordoados em cima. Correu pelo tronco e foi ter ao chão. Após, concluiu a
estripulia num tronco podre, deitado próximo à margem de um rio, onde esperavam
dois filhotes para a saudosa ração abocanhada graças à habilidade materna.
A moral da
história sugerida é: O Tempo é o grande selo de todas as verdades. Há outras,
todavia. Encontre a sua.
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