Distraída,
Calete desenha no ar símbolos aleatórios. Movimentava o braço com o indicador erguido sem se incomodar com
quem transitava pelas ruas. Parecia estar muito cedo para tratar de
responsabilidades. Parecia ter deixado todas as atividades por fazer, ou se
permitia antever que tudo seria feito em momento oportuno para ela.
Era
isso, então, o momento todo para ela! Não haveria a possibilidade de ajustá-lo
a nenhuma outra lembrança, nada, nenhuma atividade, apenas Calete e seus
desenhos no ar com movimentos soltos e giratórios. Letras? Números? Eram
borboletas invisíveis agitadoras de asas sob um sol que extasiava acima de seus
cachos? Andorinhas pousavam num jardim intumescido de flores?
Saltitava
nas pontas dos pés e parecia equilibrar-se com o auxílio das cordas invisíveis
de algum Saltimbanco, senhor de marionetes. Sob qual música dançava? Ninguém
escutava a melodia dos sonhos de Calete, entretanto se os murmúrios do vento
pudessem ser compreendidos dissertariam sobre os enlevos coloridos que
formigavam os pequenos pés, fazendo-os tamborilar pelas calçadas.
O
vestidinho drapeado de um vermelho encarnado lhe dava um aspecto de rosa em
botão. Quantas expectativas poder-se-ão nutrir com rabiscos e chuva de
bolinhas? Quantas lições de amor a penitenciarão pela estrada de ladrilhos
dourados como a aurora? Quantas pedrinhas haverão de ser depositadas na
sacolinha de futilidades aparentemente inúteis?
De
uma concha cava-se a terra e são necessárias duas mãos para erguer uma ponte.
Por essa ponte, palitinhos são espetados aqui e acolá e, de brotinho em
brotinho, uma floresta é erguida ao fundo. Buziosinhos redondos, cuidadosamente
enfileirados, trafegam por estradas escavadas com pedaços de telhas. E pinhos
secos fixados em montinhos de areia viram casebres de dormir para moradores
imaginários.
Calete,
onde guardarás os teus sonhos de candura? Nas pontas dos dedos que agora
levitam no ar? Farás das nuvens um repouso tranquilo para os teus desejos?
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