3 de novembro de 2016

Os sonhos de Calete.




Distraída, Calete desenha no ar símbolos aleatórios. Movimentava o braço  com o indicador erguido sem se incomodar com quem transitava pelas ruas. Parecia estar muito cedo para tratar de responsabilidades. Parecia ter deixado todas as atividades por fazer, ou se permitia antever que tudo seria feito em momento oportuno para ela.


Era isso, então, o momento todo para ela! Não haveria a possibilidade de ajustá-lo a nenhuma outra lembrança, nada, nenhuma atividade, apenas Calete e seus desenhos no ar com movimentos soltos e giratórios. Letras? Números? Eram borboletas invisíveis agitadoras de asas sob um sol que extasiava acima de seus cachos? Andorinhas pousavam num jardim intumescido de flores?


Saltitava nas pontas dos pés e parecia equilibrar-se com o auxílio das cordas invisíveis de algum Saltimbanco, senhor de marionetes. Sob qual música dançava? Ninguém escutava a melodia dos sonhos de Calete, entretanto se os murmúrios do vento pudessem ser compreendidos dissertariam sobre os enlevos coloridos que formigavam os pequenos pés, fazendo-os tamborilar pelas calçadas.


O vestidinho drapeado de um vermelho encarnado lhe dava um aspecto de rosa em botão. Quantas expectativas poder-se-ão nutrir com rabiscos e chuva de bolinhas? Quantas lições de amor a penitenciarão pela estrada de ladrilhos dourados como a aurora? Quantas pedrinhas haverão de ser depositadas na sacolinha de futilidades aparentemente inúteis?


De uma concha cava-se a terra e são necessárias duas mãos para erguer uma ponte. Por essa ponte, palitinhos são espetados aqui e acolá e, de brotinho em brotinho, uma floresta é erguida ao fundo. Buziosinhos redondos, cuidadosamente enfileirados, trafegam por estradas escavadas com pedaços de telhas. E pinhos secos fixados em montinhos de areia viram casebres de dormir para moradores imaginários.


Calete, onde guardarás os teus sonhos de candura? Nas pontas dos dedos que agora levitam no ar? Farás das nuvens um repouso tranquilo para os teus desejos?






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