26 de outubro de 2016

O sorriso de Luíza.





Circulava pelas ruas da cidade a empurrar a carrocinha. Roupa colorida, estampava flores miúdas no corpo largo. Não negava o sorriso a quem lhe cumprimentasse. E seguia recolhendo o que as famílias por consumo descartavam no lixo.


Os olhos seletivos miravam longe. As mãos ágeis retiravam dos sacos depositados pela calçada toda a sorte de garrafas que atirava distraidamente para o interior do carrinho. Seu nome, Luíza. A vida parecia luzir quando Luíza passava com a sua carrocinha a ranger sem pressa.


Com o dia ensolarado e quente, desde cedo, não é de espantar que Luíza fosse mulher de erguer-se às cinco da matina. Ajeitava-se numa cadeirinha de nylon trançado onde se punha em estado de oração de salmos. Folheava as paginazinhas amareladas de um pequeno exemplar do livro sagrado com a delicadeza das pontas dos dedos para escolher o poema do dia.


Pedia pelos filhos já espalhados no mundo. Todo mundo longe, bateram asas. Pedia pelos filhos dos filhos, meninada saudável e agitada. Contava já um bisnetinho, da neta mais velha, a de vinte e três anos. Terminava o curso de enfermagem e prometia casamento com um rapaz de bem, também trabalhador. Pedia por essa, pela família que se anunciava...


Erguia-se prazerosa de agradecimentos por mais um dia de lida. Preparava o café, cujo aroma espalhava rapidamente por toda a casa de apenas três cômodos. O cheiro já escapava pela área dos fundos. Sorvia a bebida com paciência. Mas o dia sempre esticava rápido e, quando menos se espera, a hora alta reclama pressa.


Varria a área. Recolhia as folhas secas da goiabeira. Alimentava os passarinhos engaiolados embaixo da cobertura. Encharcava os panos na lavanderia, torcia-os com o peso do corpo e já se encaminhava para o varal para estendê-los. Enxugava os braços na barra da saia e se punha a sorver outro menorzinho, dessa vez acompanhado de bolachas de goma.



A carrocinha esperava atada ao muro do lado de fora. Dormia assim mesmo, ao relento. Ninguém mexia. Todo mundo conhecido. “Tudo gente da gente”, dizia. Rumava para as ruas do centro com a sua carrocinha. E o dia quente se alargava junto ao sorriso largo e generoso de Luíza. 





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