Folheando uma velha agenda encontro
um enunciado apresentado por ocasião de um sonho. Apesar de a reprodução não
ser exata, o conteúdo e a estrutura ficaram bastante próximos. A questão é que
ao acordar demorei de proceder à anotação. Assim foi transcrito:
Alma do Homem
Que transpõe o tempo
Oferece a sombra
Tornando-o cativo.
Meus sonhos são voláteis. Sinto
enorme dificuldade em lembrá-los. Tais recordações são um rosto,
um gesto, um símbolo, historietas sem começo, nem fim.
O refrão do menino no balanço a
cantar ritmicamente “chaca wacca, chaca wacca”, com um acompanhamento grave ao
fundo. O anel de ônix negro, cuja proximidade parece a pupila dilatada de um
gato. A fuga em voo entre grandes paredões de pedras na noite
quieta. O retrato na moldura antiga de prata posto numa modesta mesinha de
ébano encostada numa parede.
Há vezes nas quais me lembro de ver
trechos belíssimos, cuja recordação literal me escapa.
Certa feita li um manuscrito inteiro.
Presente ainda aquela sensação de profunda admiração e felicidade genuína com o
texto em mãos. Devolvi-o à pessoa que ao meu lado aguardava em silêncio. É
provável tratar-se do autor. Mas não me recordo de sua figura. Apenas sei que
sorria.
Em contrapartida, há momentos nos
quais adormeço mesmo acordada. Várias frases irrompem de algum ponto obscuro e
saltam cadenciosas à minha razão. E sou arrebatada pelas emoções por elas
provocadas.
Impossível domá-las ao ritmo de um
lápis. E nem sempre estou disposta a escrevê-las. Ou são elas que se põem em
fuga à sombra do arreio, ou sou eu quem me perco delas e as disperso com a
lentidão da linguagem. São versos ferozes. Resta-me apenas o olhar vago,
marejado pela beleza da experiência apartada de qualquer expectativa.
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