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Touro, pintura de Johfra Bosschart. |
Não
vejo mal no exercício da liberdade altruísta. Por que temos que compreender a
deidade como uma força impositiva? Por que não podemos exercer nossas ações e
nossas vontades, considerando que delas resultam a satisfação nossa ou de
muitas pessoas, sem que disso nos tornemos temerosos?
Não
considero o temor a Deus uma virtude. É antes uma debilidade humana, não uma
virtude. Por isso, sinto proximidade com a inquietude e a
angústia que movimentaram muitos pensadores. Em alguns momentos, é a
sensibilidade que me encanta; em outros, o próprio exercício literário é o que
me agrada.
A
argúcia de Schopenhauer. O destemor e a sensibilidade de Nietzsche. A soberba
vocação para a inquietude de Unamuno. A clareza de Einstein cujos argumentos expõe
para defender uma compreensão evolutiva da deidade.
Por
que uma postura destemida deve ser considerada maligna? A inclinação dessas questões não satisfaz um
entendimento parcimonioso. Quando o exercício da cética como atitude
elaboradora das convicções foi compreendida como instrumento do maligno? As
indagações não são o ponto de partida na construção do conhecimento humano?
Percebo
que, para a abastada maioria, o divino funciona como uma bengala, sem a qual
não se pode suportar o peso de si mesmo. Mal e bem se equivalem na manipulação
de elementos sagrados e elaboração de uma normatividade ritualística,
impositiva para a conduta humana, voltadas à consecução de fins predeterminados.
E é aqui o ponto no qual se distanciam, o direcionamento dos fins pretendidos.
Mas ponhamos
desde logo o mal em evidência, em toda a sua diversidade: cada qual nele
reconhecerá o que lhe diz respeito pessoalmente. Ao mesmo tempo, dar-te-ás
conta de tudo quanto tens menos a sofrer deste descontentamento de ti, do que
aqueles que, estando ligados por uma profissão de fé faustosa e ornando com um
nome pomposo a miséria que os consome, teimam no papel que escolheram, menos
por convicção que por questão de honra.
Sêneca,
em resposta às inquietações de Sereno, “Da tranquilidade da alma”.
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