13 de janeiro de 2016

A hora da Ave Maria.





Na hora da Ave Maria, ela já se mexe vagarosa. Agacha sem dificuldade para apanhar os pregadores de roupa caídos ao chão. Percebe a sobriedade com que as cores se despedem da luz, morrem e se desfazem com o prenúncio da noite.


A sua respiração é profunda. Inala o ar como quem faz uma oração. A hora crepuscular sempre lhe deixava com uma sensação de embriaguez. Há um aroma de amor em tudo ao redor. E ela se volta sem pressa, mas resoluta, em direção à pia.


Abre a torneira de bica e toma os lençóis do menino. Verifica as nódoas de fruta, manchas de terra, vestígios da infância marcados na alvura angélica do pano.


A barra de sabão é pressionada sem pena contra a trama do tecido. Assim não sai, mas limpa e é melhor que nada. Quando tiver tempo, põe para coarar. Atrita o pano contra a pia, esfrega. Observa o menino a correr de um lado a outro na vã tentativa de chamar a atenção do gato em cima do muro. O gato nem liga... É bicho acostumado. Até cochila indiferente.


A espuma branca rende, gordurosa.  A água é um fenômeno precioso, preenche a pia, fresca, barulhenta. Ela abre os panos, um a um, no processo do enxágue. Ouve a criançada na vizinha do fundo a brincar com algazarra. “Tumém, cundo invoca tudo pá brigá, o pau come no cento. Fio, neto, subrim’o, tudo um’a ciumera lerda!” – segue pensativa para sacudir os panos e estendê-los no varal.


Menino corre pelo quintal fazendo um motorzinho nos lábios. “Chega pá tumá bâim, mô!”. “Dá bicoto, mãe!” – suplica a criança. “Não sim’ô! Premêro o bâim”. E brinca com o guri: “Ói a pata Quiná! Ói ela! Já tumô bâim, pata Quiná? Leva o minino pá tumá bâim de bacia! Vem, pata Quiná!”


Ele balbucia uma cançãozinha inventada enquanto a mãe prepara água temperada com alfazema. E a noitinha parece silenciar em favor do cantor miúdo e da meninada em burburinho no quintal da vizinha. Vem pachorrenta, com aquele azul monótono a arrastar a escuridão sobre si.


O barulhinho da água não apazigua o garoto. A pata amarela solta assovio na mão agitada. “Péra, Quinho! Oxe! Assim móia a mãe toda!”. A criança abre um riso branco, largo com a gengiva à mostra, para sugerir o perdão materno. Ela não resiste. Abre a toalha em volta do filho e o abriga no ninho dos braços. Embala. Soam estalinhos de beijos. “Mãe ama! Mãe ama!”. A luzinha fraca dependurada no alto da varanda parece piscar de aprovação.



Carrega-o no colo para o vão de dentro e no caminho verifica o fogão. Desliga o cuscuz e pensa em depois aprontar leite e café. Uma coisa por vez. Só leva o mundo assim, no útero.





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