Na hora da Ave Maria, ela já se mexe vagarosa. Agacha sem
dificuldade para apanhar os pregadores de roupa caídos ao chão. Percebe a
sobriedade com que as cores se despedem da luz, morrem e se desfazem com o
prenúncio da noite.
A sua respiração é profunda. Inala o ar como quem faz uma
oração. A hora crepuscular sempre lhe deixava com uma sensação de embriaguez.
Há um aroma de amor em tudo ao redor. E ela se volta sem pressa, mas resoluta,
em direção à pia.
Abre a torneira de bica e toma os lençóis do menino. Verifica as
nódoas de fruta, manchas de terra, vestígios da infância marcados na alvura
angélica do pano.
A barra de sabão é pressionada sem pena contra a trama do
tecido. Assim não sai, mas limpa e é melhor que nada. Quando tiver tempo, põe para
coarar. Atrita o pano contra a pia, esfrega. Observa o menino a correr de um
lado a outro na vã tentativa de chamar a atenção do gato em cima do muro. O
gato nem liga... É bicho acostumado. Até cochila indiferente.
A espuma branca rende, gordurosa. A água é um fenômeno precioso, preenche a pia,
fresca, barulhenta. Ela abre os panos, um a um, no processo do enxágue. Ouve a
criançada na vizinha do fundo a brincar com algazarra. “Tumém, cundo invoca tudo
pá brigá, o pau come no cento. Fio, neto, subrim’o, tudo um’a ciumera lerda!” –
segue pensativa para sacudir os panos e estendê-los no varal.
Menino corre pelo quintal fazendo um motorzinho nos lábios. “Chega
pá tumá bâim, mô!”. “Dá bicoto, mãe!” – suplica a criança. “Não sim’ô! Premêro
o bâim”. E brinca com o guri: “Ói a pata Quiná! Ói ela! Já tumô bâim, pata
Quiná? Leva o minino pá tumá bâim de bacia! Vem, pata Quiná!”
Ele balbucia uma cançãozinha inventada enquanto a mãe prepara
água temperada com alfazema. E a noitinha parece silenciar em favor do cantor
miúdo e da meninada em burburinho no quintal da vizinha. Vem pachorrenta, com
aquele azul monótono a arrastar a escuridão sobre si.
O barulhinho da água não apazigua o garoto. A pata amarela solta
assovio na mão agitada. “Péra, Quinho! Oxe! Assim móia a mãe toda!”. A criança
abre um riso branco, largo com a gengiva à mostra, para sugerir o perdão
materno. Ela não resiste. Abre a toalha em volta do filho e o abriga no ninho dos
braços. Embala. Soam estalinhos de beijos. “Mãe ama! Mãe ama!”. A luzinha fraca
dependurada no alto da varanda parece piscar de aprovação.
Carrega-o no colo para o vão de dentro e no caminho verifica o
fogão. Desliga o cuscuz e pensa em depois aprontar leite e café. Uma coisa por
vez. Só leva o mundo assim, no útero.
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