24 de novembro de 2015

O mistério é real.




Lyon submersa, lago Qiandao, Província de Zhejiang, China.

Quem já foi marcado com o laço sanguíneo da dor observa em toda existência humana um desfazer-se. Tudo o que se pode reunir e acumular, tais como vínculos, experiências, expectativas, e mesmo dinheiro, tende à dissipação e ao desfazimento. Assegurada está a oportunidade de um novo constituir de coisas, experiências e afetos.


A conclusão é o morrer. E disto, sabemos ser uma evidência. Sabemos que o que expira, como derradeiro anseio terreno, nem produz calor, nem pulsa. Resta só a introjeção rígida e fria a assaltar a nossa segurança por eternidade.


Aquele que morre, embora sem intenção direta, deixa interrogações após seu rasteiro suspiro de vida. Qual o seu último pensamento? Sentiu dor? Deixou algo por dizer? Havia medo? Choraria se lhe permitissem as forças? Inclinou-se de amor em seu derradeiro sopro?


A vida começa num sopro e termina noutro. Acima de ambos, há logos, toda a infinitude que a nosso ver é mistério. Mundo outro que não se desnuda, nem se revela. Tudo o que se lhe impõe como verdade ou é alegoria, ou especulação.


Desprovidos de imortalidade, ficamos entre o espanto e a angústia. Os fundamentos, encerrados num ponto, restam desfeitos se no-lo aproximamos por demais a vista. O sinal é perdido quando se estreita a distância entre o observador e o observado.


Acima do sopro o logos é mistério. Isto não quer significar que nada exista fora do mundo da experiência, mas que essa experiência não é capaz de alcançar aquela infinitude, não considerada como mero conceito, mas como a admissão da possibilidade de haver uma conjuntura de fenômenos e princípios, cuja compreensão nos inclina mais à contemplação do mistério que à condição da certeza habilmente calculada.


A complexidade possui uma limitação, não advinda da sua própria natureza, mas do nosso entendimento acerca dela. Ao dissecarmos uma pequena parte do todo, poderemos ter a sorte de vislumbrar uma constituição de coisas que para essa pequena parte é uma via de entrada a outras subpartes ainda menores, e partes de partes de partes.


Diante delas, resta o desejo humano por tudo esmiuçar até alcançar o princípio gerador e nada mais que tal desejo, uma quimera. Nunca estaremos tão próximos, quanto estamos de especulações e teorias. O mistério é uma realidade inconteste. Nossa limitação em discerni-lo e explicá-lo, outra. Vertido está, pois, o mundo da experiência imposto a nós como vida entre dois sopros.


Não se quer fazer entender, por estas linhas, que não há mérito na busca. Ao contrário. A investigação minuciosa, a sede pela apreensão das verdades atemporais, a fome por descobertas, os inusitados achados científicos, evoca a epopéia construída pelas civilizações conhecidas e desconhecidas e dá ao humano um sentido ou direção para viver.


Viver e traçar a insígnia de seu breve trajeto pelo mundo. E inspirar mais gerações de sedentos em perscrutar o encalço das grandes verdades, não as admitindo a priori. A persecução das grandes fundações tem o condão de renová-las sob o peso de novos argumentos, ou reforçar-lhes as justificações, ou derrogar-lhes a evidência falseada.


O mistério é real. Nossa inclinação para desvendá-lo é um anseio justo. Ignorá-lo, por não ter êxito em explicá-lo, longe de ser um sinal de progresso é um perjúrio à razão.






“A realidade é terrivelmente complexa, e a verdade sobre ela também deve ser terrivelmente complexa. Só por um trabalho longo e árduo pode o homem apropriar-se de uma parte dela, não muito, mas sempre alguma coisa.”

J. M. Bochenski




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