![]() |
Lyon submersa, lago Qiandao, Província de Zhejiang, China. |
Quem já foi marcado
com o laço sanguíneo da dor observa em toda existência humana um desfazer-se.
Tudo o que se pode reunir e acumular, tais como vínculos, experiências,
expectativas, e mesmo dinheiro, tende à dissipação e ao desfazimento. Assegurada está a oportunidade de um novo constituir de coisas, experiências e afetos.
A conclusão é o
morrer. E disto, sabemos ser uma evidência. Sabemos que o que expira, como
derradeiro anseio terreno, nem produz calor, nem pulsa. Resta só a introjeção
rígida e fria a assaltar a nossa segurança por eternidade.
Aquele que morre,
embora sem intenção direta, deixa interrogações após seu rasteiro suspiro de
vida. Qual o seu último pensamento? Sentiu dor? Deixou algo por dizer? Havia
medo? Choraria se lhe permitissem as forças? Inclinou-se de amor em seu
derradeiro sopro?
A vida começa num
sopro e termina noutro. Acima de ambos, há logos,
toda a infinitude que a nosso ver é mistério. Mundo outro que não se desnuda,
nem se revela. Tudo o que se lhe impõe como verdade ou é alegoria, ou
especulação.
Desprovidos de
imortalidade, ficamos entre o espanto e a angústia. Os fundamentos, encerrados
num ponto, restam desfeitos se no-lo aproximamos por demais a vista. O sinal é
perdido quando se estreita a distância entre o observador e o observado.
Acima do sopro o logos é mistério. Isto não quer
significar que nada exista fora do mundo da experiência, mas que essa
experiência não é capaz de alcançar aquela infinitude, não considerada como
mero conceito, mas como a admissão da possibilidade de haver uma conjuntura de
fenômenos e princípios, cuja compreensão nos inclina mais à contemplação do
mistério que à condição da certeza habilmente calculada.
A complexidade
possui uma limitação, não advinda da sua própria natureza, mas do nosso
entendimento acerca dela. Ao dissecarmos uma pequena parte do todo, poderemos
ter a sorte de vislumbrar uma constituição de coisas que para essa pequena
parte é uma via de entrada a outras subpartes ainda menores, e partes de partes
de partes.
Diante delas, resta
o desejo humano por tudo esmiuçar até alcançar o princípio gerador e nada mais
que tal desejo, uma quimera. Nunca estaremos tão próximos, quanto estamos de
especulações e teorias. O mistério é uma realidade inconteste. Nossa limitação
em discerni-lo e explicá-lo, outra. Vertido está, pois, o mundo da experiência imposto
a nós como vida entre dois sopros.
Não se quer fazer
entender, por estas linhas, que não há mérito na busca. Ao contrário. A
investigação minuciosa, a sede pela apreensão das verdades atemporais, a fome
por descobertas, os inusitados achados científicos, evoca a epopéia construída
pelas civilizações conhecidas e desconhecidas e dá ao humano um sentido ou
direção para viver.
Viver e traçar a
insígnia de seu breve trajeto pelo mundo. E inspirar mais gerações de sedentos em
perscrutar o encalço das grandes verdades, não as admitindo a priori. A persecução das grandes
fundações tem o condão de renová-las sob o peso de novos argumentos, ou
reforçar-lhes as justificações, ou derrogar-lhes a evidência falseada.
O mistério é real.
Nossa inclinação para desvendá-lo é um anseio justo. Ignorá-lo, por não ter
êxito em explicá-lo, longe de ser um sinal de progresso é um perjúrio à razão.
“A realidade é
terrivelmente complexa, e a verdade sobre ela também deve ser terrivelmente
complexa. Só por um trabalho longo e árduo pode o homem apropriar-se de uma
parte dela, não muito, mas sempre alguma coisa.”
J. M. Bochenski
Nenhum comentário:
Postar um comentário