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Flores do cerrado sobre o Rio Jatobá, em Vila Bela da Ssma. Trindade - MT. |
Estava entediada com seus conhecidos personagens. Absorta, refletia
no hábito de não dizer tudo o que pensava. Havia medo? Não por certo, era
somente inútil despejar um reduto de palavras que no fim mostrar-se-iam
contraditas. Visivelmente, seu padecimento lhe arrastava a uma dor moral, aquele
constrangimento no qual se inflava por dentro e não se permitia escolher algo
mais razoável que a vida à qual se entregava.
Esbarrava em pessoas desinteressadas de seus estigmas. Constance quer algo com o qual não está alinhada. Quer abraçar, mas sem aperto.
Constance, alertavam suas amigas, não se pode ver as coisas deste modo! Olhe as
outras moças! Você é bonita, pois incline-se a isto, ao que é natural e
evidente. Porém, não se sentia convencida. No íntimo, só desconfiava. “Cada um
com as razões que lhe apraz. De cá, tenho eu as minhas”.
Acostumou-se a observar as pessoas com o olhar imperscrutável de
quem as disseca. De fora, o olho clínico apontava para atitudes desastrosas ou
afetadas pela dissimulação. Olhar já imune aos contrastes. Conheceu de perto
aquela contra a qual não há quem resista. Foi surpreendida, quando ainda
muito pequena, num corredor de hospital, onde se confundiam lágrimas e
sussurros ininteligíveis demais para seu entendimento.
E foi com uma empáfia quase muda que seguia a compreender as esferas
da ausência e da solidão, tal era a estranheza com que se colocava diante do
universo. Eram ela e os demais, mundo assim dividido é como um curso de um rio,
corre assim por correr, está como está, sem esmero, nem exaltação sobre si.
O rio não indaga sobre qual direção tomar. Atende ao chamado de
seus afluentes e continua a seguir. Certo e instintivo, sem a provisão esnobe
das ideias, nem a desconfiança natural inspirada pelas inconstâncias. Cada pedaço
de si, cada elemento ensimesmado em seu curso, preserva algo de remoto do lugar
onde foi radicado. E com o mesmo esmero com que visa preservar-se, estoicamente
também se desfaz sem escolher estuário.
Deve ter sido num desses descaminhos da vida que Constance o
conheceu. Quando foi introduzida nesta nova experiência? Ele tinha um olhar
suave e lhe inspirava a confiança. Contudo, gostava da segurança no eflúvio de seus
dias tão conhecidos, despreocupada das perspectivas alheias. Não poderia
reduzir sua vontade nem a meio centímetro. Não envergaria um traço da sua
liberdade e quer a fuga.
Corre rio. Corre rio. Desembota as rochas pelo caminho. Leva os
tocos podres e os restos dos frutos. Leva as pétalas do que algum dia foram
sortilégios cálidos dos arborões em flor. Leva consigo as areias pisoteadas por
conquistadores e por vencidos. Vai sem que lhe confunda o meandro onde habitam pensamentos
descansados, “mas ele parece ter gostado de você”, “corresponda-lhe o afago”...
E suspirar a indecisão antes intolerável. Era tudo angustiante,
agora. O novo ainda indefinível. Surgia como Hefesto sem a ciência do menor embaraço.
Rangia centelhas ao irromper das margens. Acintoso, desprendia os elos como se
os debulhasse entre os dedos. De chofre, brandia a denúncia ígnea, e lastreava
a vulnerabilidade das defesas. Não poderia conter o que por natureza é
incontido.
Encontrou-o, então, enquanto investigava as páginas de um livro.
O que dizer nestas circunstâncias? Estavam relativamente sós, pois ninguém se
interessava da presença de ambos. E sua curiosidade salina o estudava entre os
óculos. Era de um olhar imprudente, quando a presa, ao erguer o rosto,
manifestou a recíproca empatia. Sorriu. Sorriram.
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