Todos os espíritos que alguma vez brilharam consentirão neste único ponto: jamais se cansarão de se espantar com a cegueira das mentes humanas.
Não se suporta que as
propriedades sejam invadidas por ninguém, e, se houver uma pequena discórdia
quanto à medida de seus limites, os homens recorrem a pedras e armas; no
entanto, permitem que outros se intrometam em suas vidas, a ponto de eles
próprios induzirem seus futuros possessores; não se encontra ninguém que queira
dividir seu dinheiro, mas a vida, entre quantos cada um a distribui!
São avaros em
preservar seu patrimônio, enquanto, quando se trata de desperdiçar o tempo, são
muito pródigos com relação à única coisa em que a avareza é justificada. Por
isso, agrada-me interrogar um qualquer, dentre a multidão dos mais velhos:
"Vemos que chegaste
ao fim da vida, contas já cem ou mais anos. Vamos! Faz o cômputo de tua
existência. Calcula quanto deste tempo credor, amante, superior ou cliente, te
subtraiu e quanto ainda as querelas conjugais, as reprimendas aos escravos, as
atarefadas perambulações pela cidade; acrescenta as doenças que nós próprios nos
causamos e também todo o tempo perdido: verás que tens menos anos de vida do que
contas.
Faz um esforço de
memória: Quando tiveste uma resolução seguida? Quão poucas vezes um dia qualquer
decorreu como planejaras! Quando empregaste teu tempo contigo mesmo? Quando
mantiveste a aparência imperturbável, o ânimo intrépido? Quantas obras fizeste
para ti próprio? Quantos não terão esbanjado tua vida, sem que percebesses o que
estavas perdendo; o quanto de tua vida não subtraíram sofrimentos
desnecessários, tolos contentamentos, ávidas paixões, inúteis conversações, e
quão pouco não te restou do que era teu! Compreendes que morres
prematuramente."
Qual é, pois, o motivo?
Vivestes como se fósseis viver para sempre, nunca vos ocorreu que sois frágeis,
não notais quanto tempo já passou; vós o perdeis, como se ele fosse farto e
abundante, ao passo mesmo dia que é dado ao serviço de outro homem ou
outra coisa seja o último. Como mortais, vos aterrorizais de tudo, mas desejais
tudo como se fôsseis imortais.
Ouvirás muitos dizerem:
"Aos cinquenta anos me refugiarei no ócio, aos sessenta estarei livre de
meus encargos." Que fiador tens de uma vida tão longa? E quem garantirá
que tudo irá conforme planejas? Não te envergonhas de reservar para ti apenas as
sobras da vida e destinar à meditação somente a idade que já não serve mais
para nada? Quão tarde começas a viver, quando já é hora de deixar de fazê-lo.
Que negligência tão louca
a dos mortais, de adiar para o quinquagésimo ou sexagésimo ano os prudentes
juízos, e a partir deste ponto, ao qual poucos chegarão, querer começar a
viver!
Sêneca, Sobre a brevidade
da vida, cap. 3. Tradução de William Li.
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