16 de dezembro de 2015

Pobreza, burrice, impotência...





Márcia Tiburi. O empobrecimento da linguagem é o empobrecimento da política. A sociedade capitalista providencia justamente o empobrecimento da experiência e de si mesmo. Espera-se que as pessoas não se relacionem entre si. É necessário produzir a desavença, o desencontro e a antirrelação. Por isso, para fomentar esse facismo potencial, é preciso apagar o outro: o diferente não deve existir. A personalidade autoritária – que é a posição subjetiva do fascista potencial – é formada dentro de um sistema de preconceitos. Então, o outro precisa ser negado e odiado.


A Tarde. E quem é esse “outro”?


MT. É qualquer um: pessoa, cultura ou forma de viver. Inclusive, o outro pode ser objeto de conhecimento. Por isso, a burrice do fascista. Eu sou um ser político se eu me abro a você. O outro é sempre um mistério, potência e possibilidade. O outro é alguém que me traz, como pessoa, uma novidade. Um livro ou uma língua são a mesma coisa. Essa dimensão da alteridade está apagada na perspectiva do fascista. Ele não consegue incluir o outro na sua perspectiva. Não tem abertura para o outro.


AT. No livro, você utiliza a burrice como conceito. Aconteceu uma banalização do termo no cotidiano?


MT. A burrice é explorada no livro como uma negação do conhecimento. A base do conhecimento de um fascista potencial é paranoica. Ou seja, ele já tem uma resposta para tudo. (...) Nesse sentido, o fascista é um sujeito realmente burro porque cancelou o desejo de conhecer. Quando termos como fascista, burrice ou autoritário são utilizados no nível de caracterização de uma condição subjetiva ou coletiva, as pessoas costumam interpretá-los apenas como uma expressão de xingamento. No entanto, no livro, eu tento resgatar exatamente a condição conceitual desses elementos que se transformaram em puro jogo de ofensas no dia a dia. Vários autores na história da filosofia se ocuparam de pensar a burrice e as formas de ignorância, por exemplo. Estamos mostrando a validade conceitual de um termo que caiu no uso cotidiano e que parece pura violência lingüística.


AT. Você cita o diálogo como um mecanismo mais complexo que a conversa. Qual é o papel dele na construção da política?


MT. (...) Dialogar é uma forma de conversação mais complexa e que implica a tentativa de se fazer compreender. Tudo isso depende de um imaginário. Eu preciso imaginar como o outro pode entender. No cotidiano, o que eu via, era uma impotência para a conversação. Até mesmo num jantar em família não é possível perguntar ou tentar entender melhor um posicionamento porque as pessoas estão com verdades e certezas na ponta da língua. É como se o ódio fosse confirmado e a expressão dele estivesse autorizada. A busca pelo diálogo precisa passar por um mínimo de posição de respeito em relação ao outro. E é isso que a gente não dispõe hoje em dia. Estamos indisponíveis para o outro. O diálogo é urgente. No entanto, as condições para que ele aconteça não estão dadas.



LISBOA, Luis Fernando. Entrevista Marcia Tiburi. A Tarde, Salvador, 09 dez. 2015. 2. cad. p. 1.




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