Márcia Tiburi. O empobrecimento da
linguagem é o empobrecimento da política. A sociedade capitalista providencia
justamente o empobrecimento da experiência e de si mesmo. Espera-se que as
pessoas não se relacionem entre si. É necessário produzir a desavença, o
desencontro e a antirrelação. Por isso, para fomentar esse facismo potencial, é
preciso apagar o outro: o diferente não deve existir. A personalidade
autoritária – que é a posição subjetiva do fascista potencial – é formada
dentro de um sistema de preconceitos. Então, o outro precisa ser negado e
odiado.
A Tarde. E quem é esse “outro”?
MT. É qualquer um: pessoa, cultura ou forma de
viver. Inclusive, o outro pode ser objeto de conhecimento. Por isso, a burrice
do fascista. Eu sou um ser político se eu me abro a você. O outro é sempre um
mistério, potência e possibilidade. O outro é alguém que me traz, como pessoa, uma
novidade. Um livro ou uma língua são a mesma coisa. Essa dimensão da alteridade
está apagada na perspectiva do fascista. Ele não consegue incluir o outro na
sua perspectiva. Não tem abertura para o outro.
AT. No livro, você utiliza a burrice como
conceito. Aconteceu uma banalização do termo no cotidiano?
MT. A burrice é explorada no livro como uma
negação do conhecimento. A base do conhecimento de um fascista potencial é paranoica.
Ou seja, ele já tem uma resposta para tudo. (...) Nesse sentido, o fascista é
um sujeito realmente burro porque cancelou o desejo de conhecer. Quando termos
como fascista, burrice ou autoritário são utilizados no nível de caracterização
de uma condição subjetiva ou coletiva, as pessoas costumam interpretá-los
apenas como uma expressão de xingamento. No entanto, no livro, eu tento resgatar
exatamente a condição conceitual desses elementos que se transformaram em puro
jogo de ofensas no dia a dia. Vários autores na história da filosofia se
ocuparam de pensar a burrice e as formas de ignorância, por exemplo. Estamos
mostrando a validade conceitual de um termo que caiu no uso cotidiano e que
parece pura violência lingüística.
AT. Você cita o diálogo como um mecanismo mais
complexo que a conversa. Qual é o papel dele na construção da política?
MT. (...) Dialogar é uma forma de conversação mais
complexa e que implica a tentativa de se fazer compreender. Tudo isso depende
de um imaginário. Eu preciso imaginar como o outro pode entender. No cotidiano,
o que eu via, era uma impotência para a conversação. Até mesmo num jantar em
família não é possível perguntar ou tentar entender melhor um posicionamento
porque as pessoas estão com verdades e certezas na ponta da língua. É como se o
ódio fosse confirmado e a expressão dele estivesse autorizada. A busca pelo
diálogo precisa passar por um mínimo de posição de respeito em relação ao
outro. E é isso que a gente não dispõe hoje em dia. Estamos indisponíveis para
o outro. O diálogo é urgente. No entanto, as condições para que ele aconteça
não estão dadas.
LISBOA, Luis Fernando. Entrevista Marcia
Tiburi. A Tarde, Salvador, 09 dez.
2015. 2. cad. p. 1.
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