Fazer-se notar é algo
prodigioso. Um modo rico de exercitar a imagem que se quer promover aos outros.
Acredito que, realmente, não há melhor modo de o indivíduo fazer aparecer o
verdadeiro tolo que reside dentro de seu aspecto mais narcísico.
Observo os homens
quando teimam em chamar a atenção de algumas mulheres. Como falam alto,
gesticulam demasiado e riem atabalhoadamente! São meninos irrequietos; andam de
um lado a outro; demandam tudo o quanto podem de si para a promoção do riso
alheio.
Se um louco tomar de
uma tribuna, não realizará melhores feitos que um homem quando se propõe a
fazer-se notar por uma mulher. Ninguém pode proceder com tanto afinco. Se os
pregadores cristãos dominassem todo o cabedal de maneirismos masculinos para
conquistar a simpatia de uma fêmea, não seriam, certamente, de todo
antipáticos. Sim, sua inconveniência nos pontos de ônibus, praças e alhures não
causaria tanta repulsa.
É engraçado observar! E
a mulher tem a arte de observar, não observando. A visão periférica feminina é
algo apreciável, sobretudo quando ela, do ponto no qual está entretida em
alguma tarefa, pode avaliar qualquer situação que esteja em seu entorno.
Então, nosso amigo
adentrou pelo Departamento com o fim de atualizar os dados da sua atividade no cadastro dos contribuintes. Achando-se ali bem à vontade, no salão de
atendimento do órgão arrecadador do município de Riachão do Jacuípe, interior
baiano, tratou logo de demonstrar preciosos apreços a uma servidora nossa.
Dali por diante, as
atenções estavam voltadas para o nosso feliz protagonista. Mexia com um,
pilheriava com outro, gargalhava, chamava por alguém, bulia em todo mundo, vozes
se confundiam, risadas... E eu, de um cômodo próximo, me punha a avaliar a
curiosa situação que se enredava no setor de cadastro.
Os apelidos são de uma
utilidade singular quando se tem por objetivo encurtar a distância havida entre
corações enamorados. Como é necessário salvaguardar a identidade das personagens
envolvidas, utilizarei nomes fictícios dadas as circunstâncias...
− Suze, tô procurando
um’a namorada. E aí? O que você me diz?
− Eu num le digo nada... –
entre risos – Ouxe!
−Vamo, Suze! Me dê um’a
chance! Eu sô um cara honesto, trabalhador, amoroso... Você num gosta de um ômi
assim, não?
−Ouxe! – entre risos –
Num le digo nada!
− Mas tem que dizê
alguma coisa! Vai me dêxá assim, na expectativa? Eu quero um’a mulé pra levar pra
casa! Ói, miscute: lá tem três quartos, duas garage, um’a suíte...
− E eu cum isso??? – diz
a incrédula servidora.
−Num tô dizeno que cê tem
nada, não! Só tô le dizeno!!! Lá tem três quartos, um’a copa, um’a cozinha...
Separado, vu!! Tem duas garage... Casa boooa!! Bem construída, toda na laje...!
−Ouxe... ... ... ...
E Suze, com cara de
paisagem, se pôs a ficar em silêncio. Que triste cena faz um coração enamorado
diante da inflexão do outro! Que cruel sina! Que ingratidão para com o amor de
um coração tão fremente!
Teima o contribuinte na
aspiração do mais lânguido anseio. E aposta na contundência do argumento sobre o
qual destaca, para quem quiser ouvir, o inventário dos bens que deixará por trás
de si, em benefício da futura meeira e da abastada prole.
−Vamo fazê quatro filho!
Eu quero casa cheia!
− ...
− Hein, Suze??? Faiz
isso cumigo não, Suze!!
−Num tô le fazeno nada!
− Tá fazeno sim!
−Num tô não!
− Tá sim!
Após um ritmado
“tá-numtô-tá-numtô”, seguiu-se a verborreia já apelativa:
−Suuuze! Óle beeeim! Você
num vai encontrá ôto como eu!
− Rum!
−Suuuze! Óle beim,
Suuuze! Agora mermo tô cum dois carro... contratei um
motorista pá me ajudá... A casa é boooa! Tem duas varanda... Mas, Suuuze!
− O que é que tu qué,
Clemente??? – já aturdida, a servidora tenta chamar o contribuinte à razão –
Dêxa de brincadêra!!
−Num tô brincano, não!!! É
séro! Séro! Séro, mermo! Me leve a séro, Suze!
−Cê bexta!
− ... Ô Suze...
− O que é que tu qué,
Clemente???
− Você! Quero você! Hein???
Me dá um’a chance...
− Rum! Cê bexta!
−Faiz isso cumigo não,
Suze...
−Cê bexta, Clemente! –
entre risos − Vai procura o que fazê, bextaiado!
Às palavras ternas de
simpatia do afogueado contribuinte, fincavam, impassíveis, as expressões da
mais terrível indiferença. E de uma sala, discretamente, eu e outra colega nos
púnhamos a par de tudo, entre olhares e risos.
Muito persistente, a
cada ida ao setor, ele renovava seus fiéis apreços, sempre desencontrados pela
ética irretocável na conduta de Suze. Complacentes com a dedicação exclusiva
objetada pelo infeliz pretendente, honorificamo-lo com uma alcunha bem apropriada.
Cada vez que notávamos sua presença por ali, felicitávamos sigilosas:
− O Bom Partido chegou!
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